quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ZECA CAMARGO: A cidade mais linda do mundo


Você vai a Veneza, e a primeira coisa de que lembra é que o lugar é cheio de cocô de pombo?
Uma amiga mais que querida viaja este mês para Istambul, talvez minha cidade favorita entre todas as que visitei. Será a primeira vez dela lá, mas como a conheço muito bem e já dividimos momentos inesquecíveis em outras viagens --notavelmente por Paris, em 2011-- já posso antecipar sua excitação. Mas não é bem essa cidade que vamos visitar hoje...
Estou guardando Istambul para a próxima coluna, para celebrar um ano deste espaço. Apesar de minha paixão pela cidade, seria injustiça eu elegê-la como "a mais linda do mundo" depois de ter conhecido Veneza. Só evoquei Istambul por conta da minha amiga que vai para lá --amiga essa com quem divido uma história adorável sobre Veneza.
Anos atrás, perguntamos a uma colega de trabalho que tinha acabado de chegar da Itália o que ela tinha achado da cidade. A resposta veio fulminante: "Cheinha de cocô de pombo!". Diante disso, eu e minha amiga nos entreolhamos estupefatos, como que dizendo: "Você vai a Veneza, e a primeira coisa de que você lembra de falar é que é cheia de cocô de pombo?".
Até hoje nós brincamos com isso ao contarmos um para o outro sobre um lugar que visitamos. Ela ilustra exatamente o oposto do que nós achamos que deve ser a experiência de uma viagem. Não tenho dúvidas de que Veneza, com a quantidade de pombos que orbitam pela praça de São Marcos (e redondezas), oferece visíveis evidências da presença das aves por lá. Mas, com toda aquela exuberância à sua volta, você vai prestar atenção justamente nisso?
Quando alguém viaja a Veneza, e a gente pergunta como foi, a única resposta aceitável é: "A cidade mais linda do mundo". Não tem o que discutir.
Fui lá duas vezes --como em tantas experiência na minha vida, primeiro como mochileiro, no início dos anos 80, e depois em grande estilo, já no século 21. Quando ainda era adolescente, dormir num albergue úmido fora da cidade era um sacrifício menor diante da excitação de descobrir Veneza durante o Carnaval --que, a não ser por um ou outro arlequim perdido por seus canais, tem muito pouco a ver com a festa como a conhecemos no Brasil.
Viajava então com um amigo de faculdade num "gran tour" pela Europa --e especificamente pela Itália, passando por Roma, Milão, Florença, Pisa, e Veneza. Registramos tudo: ruas alagadas, turistas bêbados, congestionamentos humanos, espaguetes ordinários a preços exorbitantes... Tudo que uma cidade que é um dos mais famosos cartões-postais do mundo pode oferecer --de ruim.
Mas o que ficou mesmo na memória? A ponte dos suspiros. O Rialto. O Palazzo Ducalle. O grande canal. A torre Campanille. A própria praça de São Marcos --e, claro, sua basílica. E uma infinidade de esquinas e ruelas charmosas. Acho que escorreguei em um ou outro cocô de pombo, mas para que levar essa lembrança para casa?
Quando voltei a Veneza, mais de 20 anos depois, foi numa espécie de lua de mel tardia --pode me condenar pelo clichê, aceito a sentença com prazer! Fiquei hospedado num antigo palácio, onde cheguei de gôndola. A janela do meu quarto --que batizei de "meus aposentos", tamanho o espaço e a beleza de seus detalhes-- abria-se para um pequeno canal. Era tudo tão lindo que cheguei a considerar não sair de lá durante toda a estadia...
Mas a cidade, como já era de se esperar, falou mais forte. Dessa segunda vez, não tinha nenhuma "obrigação turística". Meu compromisso era vagar pelos cantos de Veneza, sem destino certo, apaixonado por tudo --por uma ponte inesperada numa via escura; por um simples "linguine al nero di seppia"; por um detalhe de uma porta de uma casa à beira de um canal; por quem viajava comigo; por uma antiga loja de chocolates; por pequenos pássaros de vidro de Murano nas vitrines; por um "vaporetto" de última hora; pela tumba de um cachorro na fundação Peggy Guggenheim; por uma pizza "da casa" no último restaurante aberto numa noite fria; por uma placa no monumento ao autor teatral Carlo Goldoni que indicava, absurdamente, que ele tinha vivido mais de 200 anos; por todos os pórticos, todas as torres, todas as janelas; por cada estátua de leão; por um fim de tarde na cidade mais linda do mundo.
Que tem lá seus cocôs de pombo, mas...
Folha, 06.11.14

Passeio em mina é mergulho na terra e na história do país: Tour em Mariana (MG) começa com carrinho que despenca por 120 metros

Visitante caminha por túneis mais de cem metros abaixo da superfície onde houve exploração de ouro

RODOLFO LUCENAENVIADO ESPECIAL A MARIANA (MG)
Um mergulho nas profundezas da terra, uma jornada pelos escaninhos da história do Brasil: assim é o passeio nas Minas da Passagem, que se apresentam como a maior mina de ouro aberta à visitação pública no mundo. Mais de cem metros abaixo da terra, o visitante pode ver as cicatrizes que a exploração do minério deixou.
São cerca de 12 quilômetros quadrados de túneis, que se combinam como veias de um corpo pulsante. A maior parte do terreno está alagada pelo lençol freático, fendido nos tempos da mineração, formando um lago subterrâneo de águas frias, em escuridão permanente, que atrai mergulhadores do mundo todo.
O empreendimento Minas da Passagem, de cerca de 200 anos, fica em Mariana, pouco antes da área urbana dessa que foi a primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais. O ouro foi descoberto na região no final do século 18, mas foi ao longo do século seguinte que a exploração ganhou fôlego e organização.
A Vila da Passagem, entre as povoações de Mariana e Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto (hoje Ouro Preto), foi fundada em 1719, quando foram descobertas as jazidas de Passagem. Até 1756, vários mineiros obtiveram concessão para exploração das jazidas; com o tempo, a propriedade foi consolidada sob um único dono.
Em 1819, foi vendida ao barão W. L. Von Eschwege, que formou a primeira empresa mineradora do Brasil, a Sociedade Mineralógica de Passagem. Construiu o engenho e estabeleceu o primeiro plano de lavra subterrânea.
E é num dos carrinhos que transportavam os mineiros para as entranhas da terra que os visitantes de hoje são levados a conhecer as Minas da Passagem. O trolley desce 120 metros, por 315 metros de trilhos, levando até 16 turistas em cada viagem.
Algum visitante pode ter um certo receio ao ver o equipamento, que deixa evidente o peso do tempo, e ao perceber que é apenas um cabo de aço que sustenta o carrinho em seu mergulho.
Quase todos sentem frio na barriga quando a traquitana despenca em direção à boca do túnel.
LÁ EMBAIXO
No interior, a temperatura é amena --de 17°C a 20ºC--, tornado agradável o passeio pelos túneis. Ao longo de cerca de 30 minutos, a guia conta histórias do tempo da mineração e desfia informações curiosas sobre a mina, onde a lavra só terminou no final dos anos 1970 --no total, lá foram produzidas 35 toneladas de ouro.
Mostra vestígios de veios de ouro, aponta minério de ferro, apresenta o turista à pirita, o ouro de tolo --aquele que parece, mas não é.
A última parada é no lago subterrâneo, de águas frias e estéreis. Cada visitante testa a temperatura da água e fica imaginando a aventura que deve ser nadar naquela escuridão --mas isso é uma experiência permitida apenas para mergulhadores com larga experiência.
MINAS DA PASSAGEM
QUANDO seg. e ter., das 9h às 17h; qua. a dom., das 9h às 17h30
QUANTO R$ 35
MAIS (31) 3557-5001; minasdapassagem.com.br

Folha, 06.11.14

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Confira como visitar museus sem pagar: O Louvre, em Paris, que era de graça todo o 1º domingo do mês, agora tem a gratuitade só entre outubro e março

Um dia por semana, ou em determinados horários, é possível economizar no preço do passeio cultural

TATIANA BABADOBULOSCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Desde abril, o Louvre, em Paris, não tem mais entrada gratuita no primeiro domingo do mês durante a alta temporada, de abril a setembro. A prática acabou pois os estrangeiros dominavam o local e não davam chance para os moradores da cidade.
Mas vários museus abrem -durante todo o ano- suas portas para a visitação em dias e horários para aqueles que querem pagar menos do que o ingresso original. Conheça sete estabelecimentos que possuem entrada gratuita ou com preço sugerido, que pode ser de US$ 1 (R$ 2,21).
MUSEU DO LOUVRE
ONDE 75.058, Paris
Obras além da obra-prima de Leonardo da Vinci, "Monali-sa", tem coleções do Egito, da civilização greco-romana, obras de Ticiano, Rembrandt, Goya e Michelangelo
PREÇO regular € 12 (R$ 39)grátis de outubro a março, no primeiro domingo do mês
HORÁRIO de sáb. a seg. e qui., das 9h às 18h; qua. e sex., das 9h às 21h45
SITE louvre.fr
MUSEU D'ORSAY
ONDE 62, rue de Lille, Paris
Obras aberto em 1986, tem enorme acervo de obras impressionistas, como quadros de Van Gogh, Monet, Edgar Degas e outros. Há também exposições temporárias
PREÇO regular € 11 (R$ 33)GRÁTIS todo o primeiro domingo do mês
HORÁRIO ter., qua., sex., sáb. e dom., das 9h30 às 18h; qui., das 9h30 às 21h45
SITE musee-orsay.fr
MUSEO DO PRADO
ONDE Calle Ruiz de Alarcón, 23, MadriObras "A Anunciação", de Fra Angelico, "O Lavatório", de Tintoretto, "As Meninas", de Velázquez, e "A Família de Carlos 6º", de Goya, entre outros trabalhos
PREÇO REGULAR € 14 (R$ 42)GRÁTIS de seg. a sáb., das 18h às 20h; dom., das 17h às 19h
HORÁRIO de seg. a sáb., das 10h às 20h; dom., das 10h às 19h
SITE museodelprado.es
Met
(The Metropolitan Museum of Art)
ONDE 1.000 5th Avenue, Nova York
Obras reúne mais de 2 milhões de trabalhos, como obras de Camille Pissarro, Monet e Degas
PREÇO REGULAR US$ 25 (R$ 56) grátis o museu pede contribuição do visitante, que pode ou não pagar
HORÁRIO de dom. a qui., das 10h30 às 17h30; sex. e sáb., das 10h30 às 21h
SITE metmuseum.org
MoMA
(Museum of Modern Art)
ONDE 1 West 53 Street, Nova York
OBRAS possui mais de 150 mil trabalhos, como "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí
PREÇO regular US$ 25 (R$ 56)Grátis às sex., das 16h às 20h
*HORÁRIO*de sáb. a qua., das 10h30 às 17h30; qui. e sex., das 10h30 às 20h
SITE moma.org
Museu Picasso
ONDE Montcada, 15-23, Barcelona
OBRAS traz mais de 4.000 obras do artista espanhol, incluindo as da fase Azul, como "Maternidade"
PREÇO NORMAL € 11 (R$ 33) Grátis dom., a partir das 15h, e todo o primeiro domingo do mês.
HORÁRIO ter. a dom., 9h às 19h; qui., das 9h às 21h30
SITE www.bcn.cat/museupicasso
Masp
(Museu de Arte de São Paulo)
ONDE av. Paulista, 1.578, São Paulo
OBRAS reúne obras de Ticiano, Renoir, Monet e Van Gogh
PREÇO REGULAR R$ 15 GRÁTIS às terças
HORÁRIO de ter. a dom., das 10h às 18h; qui., das 10h às 20h
SITE masp.art.br

terça-feira, 29 de abril de 2014

NIZAN GUANAES: Turismo é a nossa praia

Dar um jeito no turismo é dar um jeito no Brasil; é uma atividade que ajuda a organizar o país e a educá-lo
O turismo brasileiro precisa ser do tamanho do Brasil. A pasta do Turismo tem sido uma pasta menor. Nunca foi dado a ela o enfoque espetacular que ela merece. O turismo é altamente empregador e se espalha pelo país inteiro. É o melhor amigo da indústria e dos serviços porque torna os nossos produtos e os nossos serviços conhecidos no mundo todo e demandados no Brasil todo. Precisamos dele para vender as marcas criadas pelo imaginário brasileiro e que celebram o nosso "way of life". A discussão sobre a pertinência de termos uma Copa do Mundo revela, entre outras coisas, que ainda não compreendemos como ela é amiga do turismo e das marcas brasileiras. Isso não significa abençoar tudo o que é feito em nome da Copa, mas entender a sua capacidade de promover nosso país, nossos valores e nossos produtos.O turismo é a nossa praia. É a nossa história, é a nossa cultura, é o nosso espelho e a nossa vitrine. Ele é muito mais importante do que parece. Precisa de um choque de alta-tensão e de alta atenção.
As nossas cidades históricas estão morrendo. Nosso patrimônio turístico está ameaçado. Não estamos nos preparando para o turismo de convenção e o turismo de negócios do século 21, cada vez mais exigentes.
Não é uma questão de campanha publicitária global. A campanha é tornar o turismo prioridade. Outras campanhas serão consequência.
Este país tem tantos quilômetros de praia e só tem uma Trancoso. Isso não faz sentido, é redutor. E Deus, quando fez o Brasil, pensou grande.
Fernando de Noronha, Amazônia e Pantanal são joias mundiais no crescente turismo ecológico, mas será que estão sendo geridos à altura? Como estão sendo cuidadas as cidades históricas mineiras? Por que ainda não temos uma pista de pouso em Inhotim? Quem cuida do Patrimônio Histórico de Salvador, um dos maiores conjuntos barrocos do mundo, caindo aos pedaços?
Entre os setores no Brasil que ainda estão abaixo do potencial, o turismo se destaca. Os rankings globais do turismo mostram de forma inapelável como estamos aquém do que podemos realizar.
E o turismo é um dos setores mais dinâmicos da economia mundial. Vivemos na era da mobilidade. O número de turistas internacionais não para de crescer. Tanto que a China tornou-se o maior provedor de turistas do mundo, em 2012.
Como sempre, também nesse setor temos tudo para dar certo. Duas das categorias de turismo que mais crescem no mundo são o turismo de natureza e o turismo de cruzeiro. Não precisa explicar para ninguém como somos fortes nessas duas categorias.
Dar um jeito no turismo é dar um jeito no Brasil. É uma atividade econômica multidimensional, que ajuda a organizar o país e a educá-lo. O viajante, quando escolhe um destino, está escolhendo um conjunto de bens e serviços difusos, como transportes, estadia, atividades culturais e de entretenimento, comércio, lazer, gastronomia. Antes mesmo da viagem, o turismo demanda trabalho prévio de informação, publicidade e vendas, que movimenta mais setores da economia.
Parece prova de que Deus é brasileiro nós termos conquistado essa sequência espetacular de eventos globais --Rio+20, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíada. Tudo começando e acabando na cidade mais internacional do Brasil, o Rio de Janeiro, pronta para esse papel desde o dia de sua fundação. Temos que tirar máximo proveito desse calendário, não teremos outra sequência como essa.
Eu viajo muito e vejo que, apesar de nossos problemas, o mundo quer cada vez mais ser brasileiro. Nosso estilo de vida é agradável. O Brasil não odeia ninguém e, tirando o futebol, não quer derrotar ninguém. O Brasil não quer dominar o mundo, quer seduzi-lo. Somos não só um mercado emergente mas um estilo emergente.
O mundo quer viajar no Brasil. Precisamos construir os caminhos. Folha, 29.04.2014.